segunda-feira, 19 de outubro de 2009

[bela rima]

O tempo pássaro
e eu aqui mamífero
infrutífero

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

[bem vos quero]

Houve um tempo em que não havia nada mais fácil do que dizer, com todas as letras, com a entonação pouco cerimoniosa de suspiro mal-intencionado, que era assim, que eu, aqui com meus botões, amo. As coisas, no entanto, mudam muito, ainda que saibamos cá conosco que amamos sim, e não temos a menor vontade de voltarmos atrás em nossas palavras. ou assim quero acreditar, de toda forma, já fico feliz que tenha sido assim do meu lado. Eram tempos em que no peito ainda batia um coração quente, esperançoso, ingênuo, era outra vida. Como é bem sabido, tal qual coração de pirata, o meu também virou só um x em um mapa qualquer, um mapa morto, como o são todos os mapas sem tesouros. E hoje, ainda que sereno e sabendo do amor mais do que antes, sinto na pele, nas entranhas e no que quer que haja além disso algo que só consigo descrever como "o resultado da decepção coletiva da humanidade ao perceber a fragilidade e a inconsistência do que tomam por realidade". É agradável longe do x do mapa, olhando daqui vocês parecem felizes. Tenho que admitir, a humanidade tem vontades bonitas. Mas é solitário... e agora, no vestíbulo da infinidade que é atrever-se a amar, há uma parede. E eu ainda não decifrei muita coisa sobre paredes.

Os dias têm sido decepcionantes, não cai água de um céu limpo. Vontades adolescentes tomam conta de um corpo adulto por motivos envelhecidos. "As coisas como são" são bestas. Os puritanos e os imbecis insistem em salientar a apatia das gerações que vieram depois das deles, e lamuriam sobre como não somos interessados, engajados, comprometidos. Não compreendem no entanto, que a insensatez que viam em regimes totalitários ou coisa que o valha, vemos no que chamam de realidade.

Interessante ponderar no entanto (ou, pra ser mais exato, ter sido convidado a ponderar) sobre como a vontade de sumir não é senão o desejo por um conforto que nunca mais terei. O desejo de que sintam falta. Nada mais egoísta, ainda mais sacana seria mandar notícias de lugar nenhum, deixando saber que ainda se pensa nos abandonados. É uma possibilidade, a de que seja por isso. Mas ainda que tenha de fato alguma dessas vontades pequenas é da realidade que me despeço. Não esperaria que sentissem falta, mas que eventualmente conseguissem resolver o que eu não consegui... conseguissem curar a insanidade coletiva que eu não consegui.

A vida nos é gentil.

sábado, 23 de maio de 2009

golem revolto

não sei se ainda consigo escrever, já faz tanto tempo desde a última vez que tentei.


mas hoje senti vontade, é comum quando a cabeça, cansada de pensar, decide deixar pro coração a tarefa de lidar com a vida. sobra pra ele, músculo gasto, rotundo e engordurado, externar toda e qualquer maleficência que me aflija. Então o coração tenta, e eu tento obedecê-lo em sua necessidade patológica de transformar em algo o tanto que sente.

Não é uma questão de tempo, raramente é. ou mesmo de vontade, não é como se não estivesse realizando nada. a sensação não é mais essa, não é a falta de propósito. eu já tenho motivos para todas as ações, cada vírgula, cada curva, cada passo tem um destino, um porquê e seus poréns. em parte, é óbvio, o abandono parcimonioso de quem eu sou, me causa, como acredito que cause a todos, grande angústia. não tem sido a mais agradável das experiências adaptar-me à loucura coletiva que chamam de sociedade. e quanto mais me ligo a ela, mais me desligo de mim, e maior é a sensação de estar pilotando um autômato em um planeta inóspito. tudo é falso, tudo é mentira, e toda mentira é levada a sério. e todos se importam com a mentira.

não que ela deva ser menosprezada é uma mentira muito grande e elaborada para que seja só jogada às traças. um trabalho de anos, realizado por mestres polivalentes.

vendo daqui, dos escombros nos quais me meti, não dá pra saber a amplitude do céu descartográfico que antes se prostava em minha frente como quadro raro de museu, como se a única coisa que me separasse da infinidade definitiva fosse a fragilidade do conceito de uma linha amarela pretensiosamente pintada pelos gnus.

e como era de se esperar, o flerte com a mentira me afasta das únicas verdades que conheço. As minhas relações com cada um dos respirantes. o autômato endurecido vai se fechando, se cobrindo de lama e esse golem de barro se torna aos poucas uma prisão insuportável, cuja insuportabilidade se manifesta no esquentar do fogo, não no cheiro do gás.

"o fechamento total das frestas" - ainda não é isso. mas é parecido. acho que começo a entender. há frestas nas entranhas. o que sinto, creio, seja talvez o coração tentando bater debaixo do amontoado de suposições com as quais o alimento, faço isso na tentativa de fazê-lo se calar. insisto para que minha vida bata em silêncio, faz todo sentido que o baque seja cada vez mais forte. quantas vezes terei que entender minhas próprias palavras: "eu sou menor que o mundo, e tenho um compromisso com a vida, não deixar que ela seja menor que os amores que invento." e quantas vezes vou ter que reformular essas mesmas palavras, para que ela façam sentido? infinitas vezes.

sou menor que o mundo, e tenho, de fato, um compromisso com a vida, não deixar que ela seja menor que os amores que sinto. e eu sinto amores gigantes. tenho um amor colossal pelo indefinido entremeio das infinitas possibilidades. mas ainda assim, qualquer amor que sinta, seja um punhado ou sete vezes sete tentativas de se tentar, é menor que a vida.

e é por esquecer disso as vezes, que me pego obrigado a sentir falta do que quer que seja. é como se dissesse: "escute aqui, gafanhoto, sei que amas as realidades, e sei que se se esforça para aclimatizar-se com a mentira na qual és obrigado a viver, mas de nada adiantarás se esquecerdes à mim e à promessa que me fez." e fala assim mesmo, no meio do caminho entre o coloquial e o que quer que seja.

tenho um tesouro cá em mim, há tempos encontrado. tenho as cartas, os caminhos e a vontade. tenho fome, tenho frio e sinto falta do mar aberto. sinto falta. O que é maior que o mundo? e depois de depois de depois de depois de depois do infinito, o que que tem? não me explica, só me conta e eu acredito. mas me surpreenda.

nossa senhora dos navegantes meu barco é cada vez menor, o que eu faço? nossa senhora dos navegantes, o barco pequeno tem que aguentar um autômato cada vez mais denso, o que eu faço?

você aí, que pilota esses dedos, quais seus planos pra se livrar de mim e retomar a rota? Se demorar eu tomo conta e ninguém vai gostar nem do caminho, nem do destino.